A ultrassonografia (US) é o método de imagem padrão-ouro no diagnóstico etiológico de hemorragias do terceiro trimestre por evidenciar causas corriqueiras e eventualmente graves. Dentre as mais comuns, está a placenta prévia, associada em 10% dos casos a acretismo placentário, que pode conduzir a histerectomia total no ato do parto. Relata-se caso de uma gestante, com 28 semanas e 3 dias, apresentando hemorragia uterina súbita e US com diagnóstico de placenta prévia centro-total e percreta.
VGS, feminino, 31 anos, G6P4C4A1, 28 semanas e 3 dias, compareceu ao atendimento referindo episódio único de sangramento transvaginal vermelho vivo em moderada quantidade, sem dor ou enrijecimento abdominal associados, e movimentação fetal satisfatória. Relata hematúria de início frequente, sem demais queixas. Ao exame físico, dinâmica uterina ausente, presença de sangue vermelho vivo em pequena quantidade no fundo de saco sem saída ativa pelo orifício externo, e ao toque vaginal, colo grosso, impérvio, com sangue em dedo de luva.
Para prosseguimento da investigação diagnóstica, foi realizada ultrassonografia (US) obstétrica que identificou a placenta localizada na parede uterina anterior, se estendendo para o segmento inferior e recobrindo o colo uterino (Figura 1), compatível com placenta prévia (PP) centro-total. Além disso, foram observados lagos placentários aberrantes, ausência de distinção dos planos de clivagem entre a placenta e o miométrio (Figura 2), e aumento difuso da vascularização ao estudo com Doppler em cores (Figura 3), inferindo acretismo. A avaliação foi complementada com ressonância magnética (RM) pélvica, sem a injeção do meio de contraste, que evidenciou PP completa com inserção das 5h às 10h (Figura 4), invadindo até o miométrio, mas não ultrapassando a serosa, e distando da bexiga 0,4 cm, com estruturas vasculares pélvicas conservadas (Figura 5). Após reunião multidisciplinar, optou-se por conduta expectante até as 35 semanas, quando foi repetido o exame de RM, que neste momento confirmou a PP centro-total. Além disso, já havia invasão da serosa uterina, predominando nas porções anteroinferiores e lateral direita, associada a irregularidades na interface com parede abdominal anterior e lateral direita (Figura 6). A paciente foi conduzida a cesariana eletiva às 35 semanas e 3 dias e submetida a histerectomia total abdominal. No procedimento, ao se realizar abertura da musculatura abdominal, foi observada invasão placentária da parede abdominal anterior esquerda com hemorragia local, confirmando os achados de imagem.
PP é a implantação placentária próximo ao orifício interno uterino [1]. É a causa mais comum causa de sangramento no terceiro trimestre, incidindo em 0,5 a 1,0%, e se subdivide de acordo com a relação entre a borda placentária e tal orifício. Se houver recobrimento total deste, como no caso, é denominada PP centro-total [2].
Pode relacionar-se ao acretismo placentário (AP) devido a adesão miometrial direta por decidualização irregular em local de dano preexistente na interface endométrio-miométrio, como em cesariana ou curetagem prévias [3, 4]. É uma associação rara, prevalente em 10% dos casos de PP [2], e comumente se dá no subtipo placenta percreta, quando há invasão da serosa uterina e órgãos adjacentes [3]. O espectro do AP, entretanto, ainda compreende um contínuo: a placenta pode ser classificada como acreta ao se inserir profundamente na decídua uterina, e increta ao invadir o miométrio [3].
A queixa mais comum encontrada na PP é a hemorragia rutilante súbita de repetição sem sinais de sofrimento fetal [5], enquanto que o AP pode não ter clínica evidente; porém, se houver comprometimento vesical e de estruturas adjacentes, hematúria é usual [3].
O padrão-ouro na investigação das hemorragias de terceiro trimestre é a US transvaginal [6], que, em casos de PP, evidencia tecido placentário recobrindo o orifício interno do colo uterino [2]. Se houver suspeita de AP, outro método é realizado: US obstétrica transabdominal com estudo Doppler colorido. Nele, a aderência placentária atípica ao útero é sugerida por afilamento endometrial < 1mm, perda da zona hipoecóica retroplacentária e ausência da interface decidual, sinais que podem não ser específicos. O achado mais preditivo de AP (sensibilidade de 93%) são os proeminentes espaços hipo/ anecóicos na placenta, que correspondem a lacunas vasculares irregulares com aspecto de “roído de traça” no modo B, e fluxo interno turbulento ao Doppler colorido [2,7].
Em caso de dúvida na US, ou de PP com predomínio posterior, RM é realizada, sem diferença significativa de sensibilidade e especificidade. As imagens são adquiridas em sequências T2, e os principais sinais de AP são a protrusão e heterogeneidade placentárias. Outros achados são as bandas escuras intraplacentárias e interrupção focal da parede miometrial [1]. O manejo terapêutico se dá por interrupção eletiva da gestação em torno de 34 semanas, associada a histerectomia total abdominal [8].
- Lagos placentários
- Placenta increta
- Placenta de inserção baixa
- Placenta prévia centro-total coexistindo com placenta percreta
Hemorragias do terceiro trimestre são condições comuns no atendimento de urgência e emergência em saúde da mulher.
O especialista em ultrassonografia e diagnóstico por imagem deve reconhecer seus aspectos típicos de maneira eficaz para auxiliar na melhor tomada de decisão para o binômio materno-fetal.
- [1] Elsayes KM, Trout AT, Friedkin AM et al. Imaging of the Placenta: A Multimodality Pictorial Review. Radiographics 2009; 29:1371–1391.
- [2] Callen, PW. Ultrassonografia em ginecologia e obstetrícia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
- [3] Santana DSN, Filho NLM, Mathias L. Conceito, diagnóstico e tratamento de placenta prévia acreta com invasão de bexiga: revisão sistemática da literatura. Femina 2010, 38: 147-153.
- [4] Varlas VN, Bors RG, Birsanu S et al. Maternal and fetal outcome in placenta accreta spectrum (PAS) associated with placenta previa: a retrospective analysis from a tertiary center. Journal of Medicine and Life 2021, 14: 367-375.
- [5] Fernandes CE, Sá MFS, organizadores; Mariani C, coordenação. Tratado de Obstetrícia Febrasgo. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
- [6] Fadl S, Moshiri M, Fligner CL, Katz DS, Dighe M. Placental Imaging: Normal Appearance with Review of Pathologic Findings. RadioGraphics 2017; 37:979–998.
- [7] Jauniaux E, Collins S, Burton GJ. Placenta accreta spectrum: pathophysiology and evidence-based anatomy for prenatal ultrasound imaging. Am. J. Obstet. Gynecol. 2017, 1-13.
- [8] Fernandes SLR, Lima ICC, Moreira DAA, Lobo MS, Guerra HS. Placenta percreta com invasão de bexiga: um relato de caso. Rev Med Minas Gerais 2020; 30: e-E0031.